domingo, 13 de julho de 2008

Virtualismos (reprise, mas inédita - tudo flui)


Desconheço o auto da bela foto


Acabaram com as caixas de correio. Conspiram contra as cartas. Sentimentos eternos para destinos estáticos que, sob vigilância feroz e angustiada, aguardam boquiabertos o seu mundo mudar.

Elas, as cartas, quando chegam, arrancam lagrimas, gritos e risos. Ouve-se músicas antigas. De fossa. De bossa. Acompanhadas por um pileque, atrasando a fome e acelerando o amanhã de manhã, que nunca chega.

Elas, as cartas, quando saem, temperam a pele com o sal que vem do mar e cozinham a pressa em banho-maria, com fogo brando que derrete, lentamente, a esperança do reencontro, e uma brisa seca o suor derramado no apelo efêmero.

Hoje, por teclas insones, se enviam palavras mudas aos endereços fúteis que, sem culpa, nem pudor, acumulam em suas lixeiras o dialeto da esquiva, dos que desconhecem as esquinas da vida, cheias de bares e brilho. Onde, pais e filhos procuram, furtivamente, o paraíso prometido, tentando fugir da nova poltrona, da velha matrona que espera, com olhos arregalados, seus pobres coitados retornarem cansados e vazios para lhes aquecer os pratos e esfriar-lhes o pranto. E, durante seus roncos, se sonha meretriz do ídolo das oito.

Acabaram com as caixas de correio.

Acabaram, severamente, com Chico e Marieta, que se amavam pelas cartas que cruzavam o atlântico, os rios, as florestas e, sempre, não importando o destino, chegavam a Paris.

Acabaram com as filhas que se perdiam no velho mundo e usavam, como desculpas, as cartas - é tudo culpa do correio mamãe. Na carta perdida está minha vida, escrita, tintin-por-tintin. Já vou me despedindo, tenho aula de artes cênicas. E, cinicamente, choravam de rir.

Acabaram com as caixas de correio.

Acabaram enfim, com a saudade que, na distância, fazia o amor ser visto mais de perto e mais bonito.

(aluisiomartins)

2 comentários:

Cris Animal disse...

Postei um "comentário" em "mãos de fado" e esse seu texto de hoje me fez sentir a mesma coisa de forma diferente: essa angustia desenhada com uma ternura e uma sede sem fim!
Lindo, lindo de ler e saber.
Obrigada por dividir seus tesouros.
Estou menos pobre.....rs

Unknown disse...

"Acabaram enfim, com a saudade que, na distância, fazia o amor ser visto mais de perto e mais bonito."

Sr Aluisio vc arrebenta, nem tem o que falar para tamanha sensilidade e beleza.

Abraço.

Nanda