terça-feira, 3 de março de 2009

Imanência

Por um instante, cessou o vento. Agora podia ouvir claramente os sons da noite. A canção dos grilos, o coaxar dos sapos, a dança muda das árvores, o luzir das estrelas. Eu permanecia imóvel e com a respiração suspensa. Sim, agora era possível distinguir as desejadas vozes, do murmúrio das águas e trazê-las como em sonho para mais perto, reencontrar-me no sentido das frases soltas - como folhas ao vento, mas à sua total revelia. Sabia que ele logo retornaria e levaria consigo folhas e frases, misturando tudo novamente. Era necessário apenas um piscar de olhos para alcançar a verdade. Mas me perdia na maravilha sensorial, na tentativa de processar os códigos da natureza sem me dissolver no todo, sem ascender à reintegração, correndo assim o risco de desaparecer ... O vento viria e me devolveria à consciência do corpo, e ao esquecimento.

3 comentários:

anderson disse...

Oi,Anete!
Lindo texto.
Muitas vezes viajo também com a linguagem da natureza: com os diálogos entre plantas ,vento, sol, pássaros, cores ,luzes,etc.
Mas cheguei a conclusão que ,neste caso , somos meros espectadores.
A propósito, você já parou para assistir a chuva particular das árvores?

Mão Veada disse...

Nisso pensava - que no momento em que deixamos de ser espectadores, passamos a integrar o Todo. Sim, eu já estive tão absorta, tão entregue à unidade, que quase levei um susto quando recuperei a consciência do meu corpo. E nesse momento, já nem lembrava mais como havia saído. Em algum momento de minha existencia, eu fiz uma promessa. Cada vez que reintegro a unidade, eu me recordo. Reitero meus votos. Canto. Grito. Acredito. E sei que não estou só nessa estranha missão. Só é estranha porque não posso me lembrar completamente de quem sou. Tudo sinaliza o verdadeiro sentido das coisas. Mas não chego a alcançá-lo. Então, podemos ser espectadores de tudo, dos movimentos da natureza, dos acontecimentos mundiais, de nossa propria vida. Podemos assistir à chuva particular das árvores ou podemos deixar que elas nos batizem com suas lágrimas, a seguir entraleçaremos galhos, braços e asas. Os galhos serão raízes penetrando o ar. A lua será Cheshire, o gato de Alice, e nos dirá que se não temos para onde ir, qualquer lugar serve ... ou como disse Kafka:
"Não é necessário sair de casa.
Permaneça em sua mesa e ouça.
Não apenas ouça, mas espere.
Não apenas espere, mas fique sozinho em silêncio.
Então o mundo se apresentará desmascarado.
Em êxtase, se dobrará sobre os seus pés." beijo grande

Anônimo disse...

uma frase tua, que copio e colo... e que pra mim, traduz todo o texto: MARAVILHA SENSORIAL...