segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Sãos são os pecadores

Ah, mulher
Por que insiste em adiar a consumação à beira do rio?
Não me diga que cria ser manso o deitar-se no leito frio
Não te disse?
Não me diga
Se viver é tal tormenta, de que tal sorte seria a morte boa e lenta?
Tantos por tantas vezes se repetiram
É um fogo...
E outra maneira não há de se viver por amor
E outra receita não há de se padecer do mesmo ardor
Felizmente
Não digo feliz de contente
Mas enfim, o gôzo fremente
Desprovido da estúpida obrigação de pedir perdão pelo pecado da carne
Cometido com muito gosto, ainda que tarde
De onde tiraste a idéia louca que ao acometido pela loucura da paixão cabem penitências que não a própria fruição do prazer carnal?
O amante infernal
Rubro e devasso e asceta
Mas, acima de tudo, é um anjo o poeta
Deus lhe preserva louros e o louva pela tamanha bravura de se nomear sua imagem e semelhança
Quanta coragem abrubta
Para plantar flores em pedra bruta
Pouco importa se pouco se colhe do muito que se intenta
E se flores não colhe, se inventa
O poeta é artista da desdita
Tudo é proveito, colheita bendita
Daquela pobre pedra de areia dura faz escultura
Formas lindas de deleite
Ou seja,
Dá matéria à alma desnuda
Para desnudar também a sua
Em matéria de amor, o poeta é vida
Porque cria perfeito o que abjeto evita
Objeto antes sem vida - pó
Daí que Deus e poeta são um só.
Aluísio Martins

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