sábado, 16 de maio de 2009

A Vizinha

Eu era um cara comum até conhecer a vizinha. Ela era uma mulher comum até ler este conto. Apresento-me como seu vizinho e ela atendeu a porta e convidou-me para entrar. Tomamos um café e entrementes eu pedi sua permissão para escrever sobre ela.
- Eu?
- Sim. Posso escrever sobre você?
Ela ficou vermelhinha de vergonha, mas consentiu. Eu fui fazendo-lhe algumas perguntas e tomando notas. Coisas banais como sua idade ou se já era casada, se tinha tido filhos, etc. etc. Me respondeu com muita calma e despreocupada. A conversa acabou tomando mais tempo do que eu esperava e quando terminamos já era tarde.
Em casa, preparei a máquina, alimentei com papel novo e comecei a bater a história de minha vizinha. Enquanto escrevia nada pareceu ser de bom gosto para mim. Amassei vários ensaios e joguei-os na lata do lixo.
Um bom tempo depois estava já ficando aperriado, as palavras não saíam e eu não tinha escrito mais do que meia página partindo da última tentativa. Olhei as horas e já era madrugada. Achei que podia ir na vizinha e tomar mais algumas notas, mas o medo de aporrinha-la me deixou na dúvida e, com o conto incompleto, comecei a andar de um lado para o outro sem saber que atitude tomar.
Após alguns minutos, tomei coragem e saí de casa para a da minha vizinha.
Ela atendeu a porta.
- Pois não.
- Olha, eu sei que é tarde; aliás já é quase de manhã e sei que a senhora é uma mulher ocupada, mas não consegui escrever nada e tinha de vir até aqui.
- Entre.
Quando botei os pés dentro do apartamento, tomei um choque: ela estava escrevendo, pois vi sobre a mesa da sala uma máquina e espalhadas, algumas páginas escritas.
- Você escreve? Por que não me disse?
- Você não perguntou...
- E, sobre o que está escrevendo?
- Sobre você!
Tomei um susto quando ela disse isso:
- Sobre mim!? Mas... mas eu é que devia estar escrevendo sobre você...
- E desde quando há regras sobre o que escrever.
Saí de seu apartamento amargamente frustrado. A vizinha ganhara de mim no jogo de quem escreve sobre quem. Mas como havia eu de imaginar que a danada também era escritora. Teria ela me usado? Fui dormir a pensar sobre essas coisas. Ainda profundamente amargurado. No outro dia pela manhã acordei com um bom humor inesperado e corri à máquina para escrever. Bati com vontade nas teclas e escrevi páginas e mais páginas - muitas mesmo - sobre as banalidades da vida, poemas, crônicas. Mas nada sobre a vizinha. Por mais que pensasse as palavras simplesmente não saíam. Coloquei para mim três questões. Ou era um péssimo escritor, ou não entendia nada de mulher (suas almas femininas indecifráveis) ou a vizinha era um alienígena.
Dias depois, por força do acaso, encontrei a vizinha no supermercado e perguntei se havia terminado o que estava escrevendo sobre mim.
- Terminei.
- E, então?
- Não sei ao certo. Fiquei com impressão de que você não entende nada de mulher. Ou que é uma espécie de alienígena.
- E, por que pensou isso?
- É que não entendi muito bem o seu jeito.
- Meu jeito? O que é que tem o meu jeito?
- Não sei como explicar.
- Como não sabe?
- Simplesmente não sei.
Nos separamos ali e naquele momento senti que deveria escrever alguma coisa sobre ela. A vizinha estava me irritando e eu queria sangue, ninguém jamais havia me humilhado daquela forma. Senti que não merecia a discrepância daquela mulher. Sentei em frente à máquina, alimentei-a com uma folha em branco e escrevi tudo o que sentia naquele momento. O resultado foi um conto longo, de quase quinze páginas, uma verdadeira análise do universo feminino. Fiquei tão orgulhoso com o que escrevi que quase chorei.
Na mesma hora toquei a campanhia da minha musa inspiradora disposto a mostrar - e se possível dizer também - tudo o que pensava dela, ou seja, que era uma mulher mesquinha e psicologicamente desequilibrada. E, o principal, que eu era muito mais escritor que ela.
Ela demorou um bom tempo para atender e quando abriu a porta, vi que estava usando uma lingerie muito sexy. Pasmei e tudo o que ia falar foi-se junto com a rajada de vento que levantou sua bata.
- Pois não.
- É que queria lhe mostrar isso. E empurrei-lhe os papéis.
- Entre.
Acontece que enquanto ela lia eu percebi que ela tinha um corpo muito bonito, apesar de o rosto não ser lá essas coisas. Quando terminou, olhou-me nos olhos e disse com sinceridade:
- Está muito bom. Parab´nes. Você é um ótimo escritor.
Engoli em seco e saí dali para casa. Desde esse dia não consegui escrever uma página sequer; abandonei a carreira de escritor e até pensei em me alistar no exército ou entrar para um convento. O fato é que ela se mudou dali após alguns meses e, ao que me lembro até lançou um romance que foi um sucesso de vendas.

Petro.

09/05

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