sexta-feira, 25 de junho de 2010

Culpado de Todos os Crimes

Ó! Pudera eu, poeta
remover de tudo
o cabo que surdo
chicoteia e acerta
causando dor e dó
na carne faz um nó
da ferida o grito
em minh'alma aflita
por certo da fita
que formou do atrito
tão forte esse corte
dói em cada segundo
um doer profundo
que se pede a morte
e se isso passa
vem mais desgraça
posso ver tudo vindo
quando a dor, sumindo
anuncia a chegada
duma outra lapada
e feito no limbo
o passaporte carimbo
para mais catarse
não deixo de ser
mesmo sem querer
um pobre sem base
quanto mais sofro
menos vejo fim
sinto pena de mim
e cheiro de enxofro
já nas profundezas
tudo cai em si
então olham quem ri
e o pior já vem
vejo que o pior
é bastante para só
enxergar em mim bem
culpado de tudo e
acabo mudo.

Petrecostal.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

À José Saramago

Aqui, um breve adeus. Um tributo simples a uma alma complexa. Um pensador de seu nome, de seu tamanho e largura não cabe em simples adeus, mas precisaria dum livro inteiro para medir sua genialidade, seu bravio linguajar e toda sua importância, não devolvo aqui o que passou-me ele por seus livros, obras caladas, infestadas de problemáticas vigentes, e, vindo duma alma inocente, qual criança que aprendeu a falar em uma língua só sua, um estilo só seu e de uma fantasia que beira o real próximo que se encontra, não. Apenas relato o que conheci dessa grande personalidade. José Saramago, patrício de alma portuguesa, ateu e dito comunista, grande nome, grande pessoa, grande escritor, se algum dia entendi o que foi dito por ti, espero nesse breve ínterim conseguir transmití-lo, com humildade e muito carinho no coração que se eleva para achar-se mais próximo de ti.

Ao grande escritor português,

Petrecostal.

sábado, 19 de junho de 2010

Poema à boca fechada


Foto:kevin rolly

Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

[José Saramago], in "Os Poemas Possíveis"